sexta-feira, 19 de março de 2010

a economia da tunisia, um milagre ou uma miragem

Na mesma proporção em que a Tunísia apresenta uma imagem negativa em matéria de direitos humanos, ela também goza de uma boa reputação no campo econômico. O “país do Jasmim” - onde o presidente Nicolas Sarkozy fará uma visita oficial de 28 a 30 de abril - é considerado como um Estado modelar pelas instituições multilaterais e pelo Ocidente: ele honra as suas dívidas e vem se mostrando estável, ou seja, o seu comportamento tranqüiliza. Embora ela não disponha das mesmas fabulosas reservas em hidrocarbonetos que os seus vizinhos, a Tunísia desponta em parte como um modelo entre os países da Bacia Mediterrânea. Um país limpo, dotado de infra-estruturas, educado, onde os direitos das mulheres são os mais avançados no mundo árabe-muçulmano. A Tunísia é também um dos destinos prediletos dos franceses. Todos os anos, 1.350.000 deles nela costumam passar as suas férias, a um custo razoável e em segurança. Não há favelas (em francês, bidonvilles), e sim apenas algumas “gourbivilles” (o “gourbi” é uma habitação rudimentar típica dos países do norte da África) em decorrência do êxodo rural, mas não há nenhuma miséria gritante.
Diante da impossibilidade de fazer comércio com os seus vizinhos (a União do Magreb - nome que engloba os países da África do Norte - árabe não consegue decolar), a Tunísia se voltou para a União Européia, no quadro, entre outros, do acordo de associação que desembocou, em janeiro de 2008, na implantação do livre comércio dos bens industriais. “Nós temos a cultura da exportação nos nossos genes desde a Cartago fenícia”, lembram os tunisianos, sorrindo. Os dois principais motores da economia são as exportações e o consumo das famílias. As primeiras são estimuladas pelos investimentos estrangeiros, no quadro do regime conhecido como de “offshore” (espécie de zona franca) para os produtos cuja fabricação é terceirizada (os elementos que entram na fabricação desses produtos e as exportações são livres de direitos e taxas). Este setor fornece empregos pouco remunerados. O consumo é incentivado pelos créditos, cujo montante total duplicou desde 2004, o que tem como conseqüência um pesado endividamento das famílias.
Companhias francesas são as principais empregadoras estrangeiras
A França continua sendo o maior cliente da Tunísia e o seu principal fornecedor, apesar de diminuição da sua parte de mercado. E a Tunísia é o 23º parceiro da França, na frente do Marrocos e da Argélia.
Em 2007, o valor global das transações comerciais entre os dois países alcançou um nível recorde de cerca de 7 bilhões de euros (cerca de R$ 19 bilhões), o que representa um aumento de 14% em relação a 2006, em benefício da Tunísia, pelo terceiro ano consecutivo. A França comprou da Tunísia produtos no valor de 3,8 bilhões de euros (cerca de R$ 10,5 bilhões), mas as suas vendas não ultrapassaram 3,2 bilhões de euros (cerca de R$ 8,5 bilhões). A França se classifica em quarto lugar no ranking dos países que investem na Tunísia (depois da Grã-Bretanha, dos Estados Unidos e da Itália, que investem principalmente no setor energético). O número das companhias francesas que operam na Tunísia é duas vezes maior do que no Marrocos, e três vezes maior do que na Argélia. No total, a França permitiu a criação de mais de 100.000 empregos diretos, o que a coloca no primeiro lugar entre os empregadores estrangeiros na Tunísia, segundo dados da Missão Econômica francesa em Túnis.
Aumentos dos preços
A classe média tunisiana costuma ser considerada como o fator chave do crescimento. Contudo, os detratores do presidente Ben Ali, que está no poder desde 1987, garantem já faz muitos anos que “a classe média vem passando por um processo de erosão”. “Isso não é verdade”, responde o ministro do desenvolvimento e do investimento exterior, Mohamed Nouiri Jouini, para quem, ao contrário, ela não pára de crescer e engloba atualmente 80% da população ativa.
Para quem entende como pertencentes à “classe média” pessoas que têm moradia própria, a estimativa é efetivamente de que mais de 80% da população pertence a esta categoria. Mas, se levarmos em conta a renda e o poder aquisitivo, as dúvidas começam a surgir. “A classe média está encolhendo, mas de maneira imperceptível. Este processo não aparece claramente por duas razões: cada vez mais os tunisianos tendem a multiplicar os pequenos empregos, ainda que isso lhes custe jornadas de condenados, e, além disso, eles vivem a crédito”, sublinha Hacine Dimassi, um professor de economia na universidade de Sousse. Para ele, a classe média está “laminada” não pelo imposto direto, mas sim pelo imposto sobre o consumo. “As pessoas estão vendo o seu orçamento ser corroído aos poucos. Elas percebem muito bem que o seu poder aquisitivo está diminuindo, mas este é um fenômeno pouco claro”, comenta. Exemplos: a água, o telefone e a eletricidade, sobre os quais pesa uma TVA (taxa sobre produtos e serviços) de 16%; a alimentação, cujos preços deram um salto de 10% em um ano. E ainda a gasolina, cujos preços na bomba sofreram aumentos em oito oportunidades no espaço de dois anos, ou seja, de 40%.
Contudo, a Tunísia é um país produtor de petróleo. A exploração das suas pequenas bacias petrolíferas por muito tempo foi considerada cara demais, mas a situação mudou drasticamente com os aumentos vertiginosos das cotações do barril, os quais fizeram com que as receitas das exportações aumentassem nitidamente desde 2006. No presente momento, a Tunísia continua exportando todo o seu petróleo bruto (o qual ela não tem a capacidade de refinar) e importando a totalidade dos combustíveis que ela consome. Com isso, a fatura petroleira continua sendo uma obsessão para as autoridades.
“Diplomados desempregados”
A outra chaga da Tunísia é a questão dos “diplomados desempregados”. Caso eles não tiverem ninguém bem situado entre as suas relações, estes jovens formados na Universidade tunisiana se vêem oferecer, no melhor dos casos, um emprego nos hotéis turísticos ou de telefonista nos call centers. Oficialmente, a porcentagem de diplomados desempregados é de 17%. Mas, na realidade ela seria muito mais elevada.
Muito mais do que as liberdades vilipendiadas, é o desemprego dos jovens que exaspera a população, provocando rancores e desejos de partir em exílio. A isso vem se acrescentar a medíocre qualidade do ensino ministrado nos cursos secundário e superior. “Nós ganhamos a aposta da quantidade: atualmente, 75% dos jovens tunisianos obtêm o seu baccalauréat (diploma de conclusão dos estudos secundários). Agora, nós precisamos ganhar a aposta da qualidade”, admite o ministro do desenvolvimento. Em 2007, foi iniciada uma reforma destinada a reabilitar a formação e o ensino profissionais.
Por enquanto, a frustração é grande. Muitos são os que se sentem preteridos do “milagre” econômico tunisiano, no qual eles não enxergam nada além de uma “miragem”. O avassalador sucesso financeiro dos amigos e familiares do presidente Ben Ali e da sua mulher vem atiçando ressentimentos e rumores. Para os tunisianos, de um lado existe uma turminha de muito ricos que beneficiam da globalização e, sobretudo, do “sistema” implantado por Ben Ali, baseado no clientelismo, conforme descreveu a universitária Béatrice Hibou em seu livro “La Force de l’obéissance” (A força da obediência, publicado na França pela editora La Découverte, 2008); e, de outro, uma massa de quase pobres, condenados aos baixos salários e a se virarem como podem. Na realidade, o verdadeiro problema na Tunísia não é nem tanto a criação da riqueza quanto a justa repartição desta riqueza.

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