....Antes de me mudar pra o brasil a trabalho eu tinha uma série de idéias de como seria esse negócio .
Mesmo as que eu esperava e sabia — por exemplo "dá saudades da família"
— eu descobri que doía diferente do que eu pensava. Essa foi a primeira
lição que eu aprendi: é tudo como você pensava, mas totalmente
diferente do que você pensava.Como eu falo dos dois lados da moeda, é
garantido de irritar todo mundo.
Tá, tá, vou tentar explicar. É
uma curiosidade que muita gente tem. O problema é que esse assunto é
cem por cento garantido de dar pau nos comentários. É batata (amassada
com verdura e servida com lingüiça), o povo se altera, o amor acaba,
sai batendo a tampa do laptop, os trolls se assanham, é uma lambança.
É fácil entender porque: eu falo de vantagens e desvantagens, coisas
legais e dificuldades. E aí vem o leitor que tá sonhando em morar fora,
lembrando das férias sensacionais que passou no brasil , estressado no
trânsito e com medo de assalto e irritado com vizinho mal educado e
político ladrão. E ao ler "olha morar fora tem certas dificuldades", ele
sente o sonho ameaçado, fica irado, me xinga de mal acostumada,
reclamadora de barriga cheia, etc e tal.
Só que eu também falo
das coisas legais; e daí o leitor que tá aqui sofrendo choque cultural,
que entende qualquer elogio a outro país como insulto pessoal ao seu
senso de patriotismo, lê e fica irado, me xinga de deslumbrada, de
colonizada, de paga pau de gringo. Etecetera e tal.
Mas olha
só: morar fora é pra mim uma experiência sensacional. Hã, mencionei? Não
tenho planos de voltar. Tô contente aqui. Sim, existem perrengues, e
existem diversas vantagens, e eu nunca achei que algo precisa ser
perfeito pra ser legal.
Tá, vamos lá. Primeiro as...Desvantagens de morar fora
1. Choque cultural dói
E não é pouco. Eu sempre lia sobre ele, mas só quando achatei o nariz
nele eu entendi porque se chama "choque" cultural e não "transição suave
e super tranqüila" cultural.
É o seguinte: cultura é visão de
mundo, e ao mudar de cultura você tem sua visão de mundo desafiada, e se
você acha que isso é fácil, bem-vindo à Terra, marciano. Não, cara,
seres humanos sofrem quando a visão de mundo é desafiada e são forçados a
mudar o jeito de pensar.
E de repente você está lá, lidando e
negociando e vivendo e trabalhando e discutindo e criando filho entre
pessoas que simplesmente não compartilham sua visão de mundo e, tipo,
você é o estranho.
É difícil, e tem hora que sobe o sangue
(especialmente quando alguém faz algo que na sua cultura é traduzido por
"vamos pro pau agora porque eu simplesmente não te respeito", mas na
cultura local quer dizer "todo mundo faz assim e é normal, não faço
idéia de porque você tá estressado").
E aí tem toda a alegria
de você começar a entender o que é diferença cultural e o que é loucura e
piração específica da cabeça daquele indivíduo que tá te tirando do
sério.
2. Reconstruir sua vida não é fácil.
Nós abrimos mão
do nosso círculo social pra irmos a um país que não falávamos a língua,
aprender a fazer tudo do começo porque, tipo, a gente não foi criado
aqui e de repente não sabia nem onde comprar um parafuso ou onde arrumar
o dente, todo aquele apoio que você tinha das pessoas e da segurança de
saber se virar num país sumiu, e você tem de inventar sua vida de novo.
Foi meio apavorante.
Esse é um ítem que eu tenho certeza de que tem alguém correndo pros
comentários pra gritar como isso é legal na verdade e que daria tudo pra
estar no meu lugar. Eu só digo uma coisa: eu concordava com você. Até
passar e descobrir que reconstruir vida é negócio trabalhoso e ter
infinitas possibilidades sem ter idéia de por onde começar apavora, sim.
Eu sei que você acha que não. Eu também achava.
3. Os amigos se afastam
Prepare-se pra perder amigos. Não que eles deixem, assim, de ser seus
amigos, ou que você irá brigar com eles, mas você irá perdê-los por
simples e pura deriva continental, afastando um centímetro por ano, até
haver um oceano entre vocês.
4. Distância da família e amigos dói (de um jeito que eu nem imaginava)
Eu achava que era assim, daria uma saudade, saca, de ir na casa da
família todo domingo e tal, que seria incômodo, mas parte da vida. Eu
estava enganado.
Não no começo, claro. No começo é bem assim.
Mas com o passar dos anos, mais cedo ou mais tarde, vai acontecer algo
na sua família que você queria estar lá junto. E não pode.
Tanto coisas boas quanto ruins. Poxa, legal, Skype, coisa do futuro,
super Os Jetsons, melhor que carta demorando duas semanas de navio.
Certo.
Mas então, todos reunidos no lado de lá, todos falando
contentes, aquele brilho no olhar, nós aqui pulando de alegria, querendo
dar um abraço e não podendo, quando de repente, eles anunciam:
— Então temos de desligar, porque vamos todos naquele restaurante legal que a gente sempre ia pra comemorar.
E quando rolou o "bluft" de fim de ligação do Skype, fico eu a olhar pra tela fria do computador, quieta.
Demorei 2 anos e meio pra conhecer a minha sobrinha ao vivo.
E nem vou entrar no assunto de quando rola um perrengue forte — doença,
falecimento, momentos chaves em que a sua força seria importante e você
tá a quilômetros de distância, e Skype nessas horas ajuda picas. Não
vou entrar no assunto porque aconteceu comigo e dói até hoje quando eu
lembro.
5. Sempre serei estrangeira
Não tem jeito. Tem
certas coisas que não se pega, mesmo morando anos e anos e anos e anos
no lugar. Eu não fui criado aqui, eu não cantei as musiquinhas que eles
cantaram na escola, eu não vi os mesmos desenhos animados com a dublagem
engraçadinha daqui, eu falo com sotaque, tem piadas que vou morrer
antes de entender, e por mais que eu adquira a cultura do lugar eu nunca
serei nativa dela e isso se sobressai.
Além disso, sim, sempre
tem aquele lance sutil e subentendido de "que que cê tá fazendo aqui?",
mesmo quando é bem intencionado e não-agressivo. Por que você abandonou
seu país?
Eu sempre serei "o de fora", o "que fala diferente", a "gringa" por assim dizer. E tem horas que isso cansa.
Por outro lado, se cansa, tem coisas que compensam, e de longe. Nem tudo é perrengue e dificuldade. Tem, sim, muitas...
Vantagens de se morar fora
1. Meu mundo ficou maior
E não só literalmente, com mais lugares diferentes que eu conheci, mas
ficou maior dentro da minha mente. O choque cultural me forçou a
perceber que minha visão de mundo está longe de ser a A Certa, mas mais
ainda, está longe de ser A Única.
E isso é sensacional. De
repente um mundo de possibilidades se abriu, e minha visão de realidade
ficou muito mais rica, muito mais cheia de nuances que eu nunca teria
visto se não tivesse me enfiado num avião com 2 malas de 32 quilos e
nenhuma idéia do que me aguardaria dali pra frente.
2. Redescobrir a sua vida é muito legal
Se não fosse a mudança de país, eu nunca teria feito o blogge http://caminhosparadouztunisiablogspot.com Você não estaria lendo isso, pouco provável que eu tivesse um blog como uma empresa, onde eu estou inventando algo novo.
Às vezes precisamos engolir em seco e pularmos no abismo pra sair da
inércia que estávamos. E por mais dolorido que seja esse processo, as
recompensas podem ser amplas.
3. Minhas amizades ficaram mais diversas
Ok, verdade que me afastei de muitos amigos que ficaram no Marrocos .
Por outro lado, conheci gente das mais diversas culturas, aprendi sobre
países que eu só sabia o nome (e olhe lá) da melhor forma possível
(conversando em meio a nativo de lá). Sim, claro, visitar o país é
sempre bom, mas falar com um nativo, te contando, do seu pais e costumes
e muito bom
E percebi que gente legal é gente legal em qualquer língua.
ser estrangeira não é fácil. Mas por outro lado, é muito libertador
perceber, após seu primeiro expatriamento, que você tem o jogo de
cintura necessário pra enfrentar o processo, que há muito o que se
ganhar depois que se paga o preço de aprender pela dor e que sobreviveu
ao vendaval do mundo lá fora.
E de repente o vendaval é mais um
vento inflando suas velas e você se lembra que o mundo é grande, cheio
de possibilidades e nada te prende a um lugar se você não quiser ficar
preso.
Como disse o Calvin pro Haroldo, no livro é um mundo mágico, meu velho companheiro.
Vamos explorá-lo!
Que lindo seu depoimento. Me fez pensar muito nas oportunidades e caminhos que estão a minha frente. Obrigada
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