segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

A QUE MUNDO PERTENCE A TUNISIA

A que mundo pertence a Tunísia?

TÚNIS (TUNÍSIA) – Falo pouco da África do norte neste blog (basicamente, apenas para ridicularizar o líbio Muhammar Gaddafi). Há dois motivos para isso: conheço relativamente pouco a região ao norte do Saara, embora já tenha visitado Marrocos e Egito no passado. E o principal: historicamente, a África do norte tem praticamente nada a ver com a África que me interessa muito mais, a África negra. Culturalmente, pertence ao mundo árabe, ao Oriente Médio, apesar de geograficamente todos dividirem o mesmo continente.
Usei parte das minhas férias para conhecer um pedaço desse mundo para mim quase invisível. Agora em novembro, passei dez dias na Tunísia, a ex-colônia francesa que divide sua identidade com o mundo árabe com um indisfarçável olhar para cima, para o norte.
A Tunísia tem muito da Europa mediterrânea. Sua capital, Túnis, é uma graça, e a avenida principal do centro, a Habib Bourguiba (nome do fundador do país) é uma reprodução em miniatura da avenida Champs Elysees, em Paris, com cafés e prédios charmosos.
O país funciona bem, como eu disse no texto anterior, e a organização urbana é impressionante. Não há muito do caos e da fumaça das cidades africanas. As cores predominantes são o branco das paredes e o azul claro das portas. A internet é provavelmente a melhor de todo o continente. Praticamente todos falam a língua do colonizador (além do árabe nativo), e não apenas uma elite, como é comum na África.
O país, para padrões árabes, é bastante ocidentalizado. A poligamia é proibida. Poucas mulheres cobrem o cabelo com véu, e encontrar bebida alcoólica não é muito difícil. Herança de Bourguiba, que chegou ao poder nos anos 50 (e só o largou nos anos 80) destinado a secularizar o novo país.
Socialmente, o país não vai mal. Claro, é subdesenvolvido, e percebe-se que a existência sobretudo no interior é difícil. Mas miséria extrema é rara. No ranking anual elaborado pela ONU, é o quarto país africano mais rico, atrás da Líbia (em que sobra petróleo) e de duas nações insulares, Maurício e Seychelles.
Mas o olhar, digamos, europeu, da Tunísia é torto. Falta algo básico, o que termina por aproximá-la, finalmente, do restante da África. Acertou quem pensou em democracia. Ali, não existe. O presidente, Zinedine Ben Ali, está no poder há 22 anos, desde que delicadamente removeu do poder o fundador da pátria, Bourguiba, já avançado em anos.
No mês passado, Ben Ali reelegeu-se para um quinto mandato de cinco anos, com apenas 90% dos votos. Digo “apenas” porque ele chegou a ter 99% em pleitos anteriores. Seus adversários potenciais são fraquinhos, mas por via das dúvidas costumam ser proibidos de concorrer por filigranas técnicas pelos juízes locais, amigos do ditador.
É bom que se ressalve que Ben Ali não é um ditador clássico, que prende e arrebenta, mas um caso mais sutil de déspota benigno, que se mantém no poder por meio do controle total sobre as instituições do país.
Sua foto sorridente, muitas vezes com a mão no peito, está em todo lugar. Nem no Zimbábue de Mugabe eu vi coisa parecida. O bonitão aparece em casas, postes, muros e prédios históricos (a foto abaixo é da cidade velha de Kairouan, principal centro religioso do país).

A imprensa é dócil como um cachorrinho. Todo boletim de rádio começa com uma notícia da agenda do presidente. Só depois de sabermos da participação de Ben Ali num simpósio sobre agricultura é que vêm informações sobre a guerra do Iraque, a do Afeganistão ou a crise econômica mundial.
O mesmo se aplica aos jornais. Num dos dias em que eu estava por lá, o jornal “La Presse”, principal de língua francesa, deu mais destaque para um discurso qualquer da primeira dama do que para a notícia dos primeiros casos de morte por gripe suína no país.
E eles não gostam da imprensa de fora. Antes de entrarmos no país, eu e minha mulher, que também é jornalista, tivemos um debate sobre o que escrever no cartão de entrada na linha “profissão”. Decidimos dizer a verdade, e sofremos as conseqüências. Fui levado para uma salinha onde um burocrata me perguntou dez vezes o que eu estava fazendo ali até finalmente ser convencido de que eram apenas férias. Liberou-nos só depois de anotar os dados do passaporte e de todo nosso roteiro no país.
É por isso que, ruas limpinhas à parte, a Tunísia ainda pertencerá, por um bom tempo, a um lugar chamado Terceiro Mundo.

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