sábado, 2 de janeiro de 2010

ZECA CAMARGO NA TUNISIA....HUMMMMMMMMMMMMMMMM

Lendo Bolaño em Túnis

Eu falei que estava em uma “esquina alternativa”… Sobretudo porque confunde nossas referências: as ruínas que faziam o cenário da foto no post anterior eram de inspiração romana - que sempre podem ser confundidas com ruínas gregas. Eu ainda dizia que estava no Mediterrâneo - outra “pista” fácil de confundir, porque a gente nunca se lembra que esse mar não banha apenas a Europa… mas também a África. E o resto das referências que coloquei no último post - junto com a pergunta “onde eu estou?”- se encaixam perfeitamente, como é possível ver agora, numa descrição da Tunísia!
Por uma falha na aprovação dos comentários, três pessoas que acertaram o lugar acabaram aparecendo aqui antes da hora - mas como o palpite geral apontava a Grécia (e também a Turquia), tudo bem… Bravo para elas - em especial para Fernanda Rabelo, que acertou até o nome daquela comida que eu sugeri que lembra o nosso pastel, o “brik” (mas errou a cidade), e para a Thay (Kelly?), que foi na mosca: eu estava nas ruínas do antigo teatro de Dougga, um dos mais belos patrimônios históricos da humanidade, “assinado”, claro, pela Unesco.
Por que Tunísia? Boa pergunta. “Por que não?” seria a “resposta” mais fácil. Mas se você é um leitor assíduo deste blog, já pode imaginar que a escolha do destino tem a ver com uma certa “queda” que eu tenho por lugares que são (ou já foram) capazes de concentrar várias culturas. Por tudo que eu descrevi acima (e no post anterior), acho que fica claro que muitas culturas se cruzaram (e ainda se cruzam) por lá. Disse anteriormente que não falava a língua nativa - o árabe - mas que me virei bem em inglês e especialmente em francês. Isso era uma pista relativamente fácil, se alguém se lembrasse de que a Tunísia foi colônia da França entre os séculos 19 e 20. Calma… isso não vai virar uma aula de história. Só estou falando da língua porque quero citar uma conversa que tive com um motorista de táxi local, mais precisamente do trecho em que ousei perguntar qual é o árabe que eles falavam por lá…
Eu me referia mais a um sotaque ou mesmo alguma diferença sutil entre o árabe falado lá e o que se ouve, por exemplo, na Arábia Saudita ou mesmo no Egito. “O árabe é o árabe, monsieur”, me retrucou o taxista, mal disfarçando uma certa indignação (e com razão, como concluí depois). O que ele queria dizer é que, além de uma identidade muçulmana - religião que predomina no país -, a língua significava uma conexão com um universo maior do que poderia as fronteiras políticas que marcavam o lugar que ele nasceu (e onde passou praticamente toda sua vida - só viajou por alguns dias para visitar a irmã, que tinha casado na vizinha Líbia, mas detestou…). Ao mesmo tempo, como ficou claro ao longo da conversa, ele não deixava de destacar sua identidade tunisiana, soltando algumas alfinetadas para os argelinos e praticamente ignorando a Líbia (o Egito, quando aparecia na conversa, tinha nuances de uma terra muito mais distante do sugere o mapa-múndi).
O que é essa “identidade tunisiana”? Digamos que ela começa nas portas - tão típicas - pintadas de cores fortes, com desenhos delineados por tachas enormes que conduzem seu olhar àquele arco tão inesperado - um traço se espalha por todas as ruas estreitas da medina (cidade antiga) de Túnis. E termina, quem sabe, no belo instrumento de percussão chamado “derbouka” (ou “darabuka”). Os “souqs” - os mercados antigos - estão cheios de souvenires como esses: vidrinhos de perfumes, oliveiras de prata, narguilés, caixinhas de temperos - tudo que pode fazer você lembrar, quando olhar para esse ou aquele objeto lá comprado (hoje pegando poeira na sua estante), de um lugar chamado Tunísia.
Como é possível conciliar aspectos culturais tão abrangentes e peculiares a mesmo tempo? Ah… esse é o segredo dos lugares mais interessantes do planeta. E, nesse sentido, minha viagem não me decepcionou. Passei menos de uma semana no país - e já faço planos para voltar, pois ainda ficou faltando todo o deserto para explorar. E, quem sabe, nesse retorno, consigo me misturar um pouco mais nesse “caldo” tão interessante.
Caldo este em que não só me banhei com prazer - seja passeando pelas ruas quase desertas de Dougga, com suas plantas baixas dilapidadas sugerindo cenas cotidianas de vidas muito antigas, ou admirando a praia de Cartago, com aquelas centenas de pessoas vestidas com uma quantidade de roupas impensável em qualquer faixa do nosso litoral brasileiro - mas que também fiz questão de contribuir, ainda que perifericamente, para que ele se tornasse um pouco mais diverso.
Refiro-me ao livro que me acompanhou nessa viagem, “A pista de gelo”, de Roberto Bolaño (que não deve, em hipótese alguma, ser confundido com o ator mexicano mais conhecido como Chaves, cujo sobrenome é Bolaños). Bolaño (sem o “s” no final) é, como alguém que acompanha as idiossincrasias da imprensa literária talvez se recorde, o autor latino-americano “da hora”. Nascido no Chile, mas baseado boa parte da sua vida na Espanha, o escritor morreu em 2003, e, nos últimos anos vive uma espécie de redescobrimento - sem dúvida impulsionado pelo lobby editorial americano.
Recém-lançada nos Estados Unidos, sua obra maior, “Os detetives selvagens” (editado, no Brasil pela Companhia das Letras), conquistou uma rara unanimidade entre os críticos de lá. O livro foi aclamado como um “clássico contemporâneo” - e, de repente, Bolaño, é o queridinho das conversas eruditas. Bom para Bolaño, claro, bom para a reputação de seu trabalho, mas bom sobretudo para quem simplesmente quer ler um bom autor.
Não levei “Os detetives selvagens” para a viagem, acredite, por uma questão de peso. Com mais de 600 páginas, ele acabou “perdendo” para “A pista de gelo”, do mesmo autor (também editado pela Companhia das Letras), com suas modestas 200 - bem mais acomodável na bagagem de mão. Mas, encantado com a “amostra”, já coloquei “Detetives” nas minhas prioridades.
“A pista de gelo” pode ser considerado um trabalho menor (foi seu primeiro livro publicado), mas não menos interessante.

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